Tempo perdido. Pensei eu para com os meus botões. Depois de mais de meia hora à procura do dossier de capa verde, que precisava para a reunião que ia ter dali a uma hora, continuava sem o encontrar. Remexi em todas as minhas gavetas, revistei por baixo da cama, quando para meu espanto encontrei um sapato. Era o sapato que tinha usado no baile de finalistas. Senti-me tão mal por tê-lo encontrado. Primeiro, porque culpei o cão do vizinho de mo ter roubado, e cada vez que passava por ele fazia questão de lho lembrar. Pobre rafeiro… Depois, porque tinha deitado o outro sapato para o lixo. Para que é que eu queria apenas um sapato? Irónico o destino, agora encontrava-se ali á minha frente um solitário e perdido sapato… Continuei a caça ao dossier. Vasculhei nos mais recônditos lugares possíveis e alguns inimagináveis, como o armário da casa de banho, onde acabei por encontrar um estranho caderno velho. Tentei lembrar-me qual o motivo da existência daquele caderno, e subitamente lembrei-me: O meu diário! Mas como é que ele veio aqui parar? E eu a pensar que o tinha perdido para sempre. Era um diário antigo, da minha adolescência. Comecei a desfolhá-lo, e parei numa página que começava assim,
“25 de Maio de 2000
Querido amiguinho,
Mais um dia perdido, nesta, já mais que perdida, adolescência.”
Achei curioso e por isso continuei a ler.
“Perdi de vez a vergonha, e declarei-me ao Francisco a semana passada. Eu já te falei sobre o Francisco? Ele é o rapaz mais bonito que eu já vi em toda a minha vida! Mas ele não quer nada comigo. Diz que quer somente ser meu amigo, e que se eu insistir, vou perder a sua amizade. Apesar de as suas palavras terem ferido como nunca o meu coração, decidi, que não ia desistir. E acabei por perder a sua amizade. Deixou de me falar. Oh! Malditos 14 anos. Só desilusões! Perdi um amigo, e estou quase a perder a paciência. Um totó da minha turma anda a mandar-me bilhetes anónimos, como este:
“ Sou um pássaro perdido,
Que se esconde nos umbrais.
Sou um amor não correspondido,
Que aumenta cada vez mais.
Sou o vento, sou o ar,
Sou a manhã e a noite escura.
Sou uma estrela, sou o luar,
Por ti sou tudo, minha ternura.”
Achas normal? Estou mesmo á beira de perder a minha postura e dizer-lhe que pare de me chatear. Chama-se António. Combina mesmo com ele. Que tonhó! Usa uns óculos redondos, tem aparelho, e umas sardas que mal se notam, mas que lhe ficam super mal. E o cabelo, risco ao lado!! Enfim, o que eu tenho de aturar. Adolescência perdida, definitivamente!!
Beijinhos rechonchudos, a tua confidente,
Mary.
P.S. Tirando o facto de o António ter aquele aspecto de totó, ele faz-me rir, e é super simpático, e confesso que até lhe acho uma certa piada. Mas não contes a ninguém. Não vou andar com um tonhó! Só se perder de vez o juízo…”
Era um bocadinho fútil eu, ahh! Já nem me lembrava! Pensei eu. Desfolhei mais umas páginas, e parei nestas:
“23 de Julho de 2000
Olá meu querido amigo,
Perdi o António. Acho que ele se cansou de mim. Cansou-se das minhas tampas, das minhas respostas tortas, cansou-se da Mary pindérica que finjo ser… Eu não valho nada. Perdi-o! Acabou o ano lectivo, e ele foi viver definitivamente para Lisboa. Nunca mais o voltarei a ver. E sabes o que me magoa mais? É que eu gostava mesmo dele, mas perdi o meu tempo a negar o que sentia…
Beijinhos de mim, simplesmente eu, Maria.”
Quando acabei de ler isto, olhei para a fotografia que estava em cima da sapateira, e vi um casal apaixonado, a sorrir. Lembrei-me daquele dia. Era o meu primeiro emprego. Era o meu primeiro dia na empresa. Estava completamente perdida e desorientada. Vi um homem de costas e resolvi ir pedir-lhe ajuda.
- Peço desculpa. - disse-lhe, enquanto lhe tocava ligeiramente no braço. – Pode dizer-me onde fica a sala dos… - calei-me. Não queria acreditar no que vi à minha frente. Não podia ser. Era mesmo ele? Não. Ele tinha óculos, e sardas, e aparelho, e risca ao lado no cabelo, e era um magricelas, e…como é que ele se chamava?
- Sim? Sente-se bem?
Por momentos ficámos um a olhar para o outro. Estava perdidamente perdida.
- Maria? És tu? Maria da Escola dos Caminhos Perdidos? Do 9º ano? És mesmo tu? - inquiriu ele, com um sorriso radiante, como se tivesse ficado feliz por me ver, e ao que parece ficou mesmo.
- Sim, sou. Tu és o…o…o… -tentei lembrar-me do nome dele, mas a minha memória tinha-o perdido.
- O António. – disse-me ele.
Triiimmm, trimmmm… a campainha soou, acordando-me dos meus pensamentos e trazendo-me repentinamente para a realidade. Mas que horas são? São quase 3h. Não pode ser! A reunião. Trimmm. – Quem é? Trimmm. – Já vai.
-Tu? O que é que estás aqui a fazer? – perguntei.
- É sempre assim que recebes as visitas? – perguntou ele.
- Desculpa. Vou ter uma reunião dentro de instantes, estou atrasadíssima. – puxei-o pelo braço dei-lhe um beijo, e fechei a porta.
- Não te esqueceste de nada?
-Que eu saiba não. Porquê? – inquiri eu, enquanto arrumava a papelada em cima da minha secretária, na esperança de encontrar o dossier.
- Estes documentos? Não precisas deles?
- Onde é que os encontras-te? – tirei-lhos da mão de repente, radiante, por finalmente os ter descoberto.
- Onde tu os perdes-te. – disse-me rindo. – Deixaste-os no meu escritório hoje de manhã, quando te foste despedir de mim.
- Deixei? A culpa é tua.
- Minha?!! - perguntou ele…
- Sim tua. Tu deixas-me perdidamente perdida, e é por isso que acabo por perder as coisas…
- Ahhh sim? E também foi por minha causa que perdes-te a reunião?
Eram quase quatro horas e não três, como eu pensava. Por sorte, tinha havido problemas com o voo dos clientes e a reunião tinha sido cancelada.
- Desculpa ter-te perdido. – disse-lhe.
- Perdeste-me?
- É uma longa história. Hoje encontrei um diário antigo e …
(História fictícia para a Fábrica de Histórias)